Assinam a petição inicial as Defensorias Públicas dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio de Janeiro e a DPU
A Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública de São Paulo e outras defensorias estaduais, ajuizou ação civil pública em face da União Federal pedindo a suspensão integral da eficácia da Portaria 2.282/2020, do Ministério da Saúde, que versa sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez, nos casos previstos em lei, no Sistema Único de Saúde.
A nova norma, publicada no Diário Oficial da União na semana passada, obriga profissionais de saúde e responsáveis pelos estabelecimentos a notificar autoridade policial quando acolherem pacientes em casos de indício ou confirmação de estupro.
Também caberá aos profissionais de saúde, de acordo com a Portaria 2.282/2020, preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro, tais como fragmentos de embrião ou feto, a serem entregues imediatamente às autoridades policiais.
Na ACP, as Defensorias Públicas argumentam que foram criados dispositivos que dificultam o acesso à excludente de ilicitude prevista no artigo 128 do Código Penal, em casos onde a gravidez é resultante de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou do representante legal.
Por este motivo, buscam a suspensão da eficácia de diversos artigos (1º, 5º, 6º, 8º) e anexos (I e V) da Portaria 2.282/2020, sob pena de multa diária.

“Na prática, esta portaria editada em 27 de agosto de 2020 revoga uma anterior – a Portaria 1508, de 2005 -, que versa sobre o mesmo tema. No entanto, a revogação acontece por meio de inovações manifestamente ilegais e que não se mostram adequadas e proporcionais às finalidades previstas pelo Código Penal, Código de Processo Penal, pela Lei Orgânica da Saúde e Lei nº 12.845/2013, a qual dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual”, alegam as instituições.
As Defensorias acrescentam que, “as inovações da portaria desrespeitam os direitos fundamentais à saúde, dignidade, intimidade, privacidade, confidencialidade, sigilo médico, autonomia e autodeterminação das meninas, adolescentes e mulheres, estando em desacordo também com as próprias normativas do Ministério da Saúde, tais como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2011), Norma Técnica Atenção Humanizada ao Abortamento (2011), a Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes (2012), Norma Técnica Atenção Humanizada às Pessoas em Situação de Violência Sexual com Registro de Informações e Coletas e Vestígios (2015) e que determinam que os/as profissionais de saúde devem garantir o exercício pleno dos direitos humanos das meninas e mulheres, o que é base de uma saúde pública de fato universal, integral, equânime e humanizada”.
A violência institucional, entendida como aquela praticada, por ação e/ou omissão, nas instituições prestadoras de serviços públicos, foi citada pelas Defensorias como um dos fatores que desencorajam mulheres de formularem/manterem denúncias.
A ACP também cita violações a Convenções e Tratados Internacionais, dos quais o Brasil é signatário, o que fere consequentemente os direitos fundamentais à dignidade, intimidade, privacidade, confidencialidade, sigilo médico, autonomia e autodeterminação, bem como impedindo que o direito ao acesso à saúde seja efetivamente integral, universal e humanizado para meninas, adolescentes e mulheres vítimas de violência sexual.
Na visão da defensora pública Samantha Vilarinho, que atua na Defensoria Especializada na Defesa dos Direitos da Mulher em Situação de Violência (Nudem-BH), da DPMG, a ação civil pública foi uma importante atuação conjunta das Defensorias Públicas.
“A portaria editada pelo Ministério da Saúde viola os direitos das mulheres na medida em que dificulta o exercício de um direito que lhes é assegurado por lei, qual seja o direito ao abortamento legal em casos de violência sexual, afirma a defensora de Minas Gerais.
Ela destaca que as instituições estão defendendo o direito das meninas e mulheres ao atendimento humanizado no âmbito dos serviços de saúde. “Buscamos respeito à autonomia, autodeterminação, intimidade, confidenciabilidade, consentimento prévio e livre das mulheres. O direito ao abortamento legal não pode representar revitimização ou sujeição da mulher a práticas de tortura”, conclui Samantha.